Sabe amigo, as
coisas aqui não andam muito bem. Tenho vivido em passos mansos, sem vontade de
dedicar àquele tal futuro de que tanto falam, o meu tempo precioso. Mas que
desperdiço com vontade em cada gota que evapora da garrafa, em cada faísca que
uso pra acender os cigarros por ai.
Sim, só para
acender, porque já é do seu conhecimento a minha mania irredutível de acender
cigarros. Nunca tragá-los ou fumá-los por prazer de nicotina. Apenas despejar
das mãos o rito cheio de energia que me provoca o maior dos prazeres.
Encosto o cigarro
no canto esquerdo da boca, fecho o olho direito, empunho as mãos como Johnson
fazia com sua gaita, como se também fosse incendiá-la. Procuro por um isqueiro,
estilosos como os pseudo zipos ou aqueles que se compra por um trocado na
vendinha da esquina. Nunca fósforos, eles dissimulam o cheiro do fumo. Risco a
pedra como um ritualístico homem das cavernas a preparar a caça, observo a luz
surgindo, as vezes preâmbulo como aqueles postes na rodovia - madrugada de
ébrios, outras vezes forte como se surgissem do próprio deus Sol. E um suspiro
para libertar a nota lá da gaita... P(r)onto! A energia dos olhos, das mãos, do
sopro, quase bio, transfere ao fogo, ao fumo, à fonte. Desvio o olhar, o cheiro
se perde e espero até o próximo vicio chegar entre meus dedos.
Sabe amigo,
são três horas da madrugada, na programação coruja do rádio toca “light my
fire”, abro a bolsa e procuro o isqueiro... Mas só para acender um incenso.
Dayane R. Peixoto - Março/2012